Direitos reais – Alienação fiduciária em garantia de bem imóvel – Pedido de providências – Averbação de dação em pagamento desautorizada – Recurso provido.

I. Caso em exame.

1. A interessada/recorrente, credora-fiduciária, requer a averbação de dação em pagamento extintiva de débito então garantido pela propriedade fiduciária, recusada porque posterior à consolidação plena da propriedade.

2. Irresignada, apelou.

3. O recurso foi recepcionado como recurso administrativo.

II. Questão em discussão.

4. A admissibilidade de dação em pagamento de direito eventual ao imóvel dado em garantia, superveniente à consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário.

III. Razões de decidir.

5. A consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário não exaure completamente a função de garantia.

6. Da resolução contratual, extinguindo o direito real aquisitivo, exsurge, para o devedor fiduciante, o direito residual de ver o imóvel ser levado a leilão extrajudicial, com dupla finalidade: a) eventual exercício do direito de preferência; b) venda em leilão por valor superior ao crédito garantido, com o objetivo de reaver a sobra.

7. A consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário não apaga a sua função de garantia, tanto assim que deve o imóvel ser levado leilão extrajudicial, não podendo desde logo o credor tomá-lo para si e vendê-lo livremente a terceiros. Persiste interesse das partes em celebrar negócio de acertamento para livrar a propriedade-garantia da afetação residual que a onerava, assegurando ao credor a plena e livre disponibilidade da coisa.

8. Podem as partes celebrar negócio jurídico de transação para colocar fim à relação contratual, mediante concessões recíprocas. Possibilidade de conversão substancial ou de requalificação do negócio jurídico de dação em pagamento em negócio jurídico de transação, preservando a vontade das partes e o objetivo prático do negócio.

9. Dação em pagamento que, em virtude da conformação prevista no art. 356 do Código Civil, ficou mais ampla e maleável, não mais restrita à entrega de coisa para solução de prestações pecuniárias. É suficiente o negócio no qual o credor consinta em receber prestação diversa da que lhe é devida, qualquer que seja a sua natureza.

10. Quer pela maior amplitude que o Código Civil deu à dação em pagamento, quer por sua conversão substancial em transação, é legal a pretendida averbação enunciativa, símile à averbação-notícia do resultado negativo de leilões, convertendo a propriedade garantia em propriedade plena em nome do credor.

IV. Dispositivo.

11. Recurso administrativo provido, averbação da dação em pagamento convertida em transação determinada.

V. Tese:

Vencida e não paga a dívida, o direito expectativo à reversão da propriedade imobiliária fiduciária ao patrimônio do devedor fiduciante pode ser utilizado como instrumento de liquidação da dívida, mediante dação em pagamento, antes ou depois da consolidação da propriedade; antes, o direito eventual à recuperação do imóvel estará vinculado ao direito real de aquisição; depois, ao direito de preferência e à sobra da venda em leilão. Possibilidade, ainda, de conversão substancial da dação em pagamento em transação, com o escopo de permitir o ingresso do título no registro predial, em atenção ao princípio da autonomia privada.

Legislação citada:

CC/2002, arts. 170, 356, 840, 1.365, caput, e 1.428, caput; Lei n.º 9.514/1997, arts. 26, §§ 7.º e 8.º, e 27, § 2.º-B; Lei n.º 6.015/1973, arts. 167, I, 31, e 246.