Plínio Schenk Júnior.
29/07/2025
Entre a Bíblia e o Blockchain: O Registro de Imóveis na Mente de Plínio Schenk Júnior. Com uma mente inquieta, apaixonada por tecnologia, filosofia e espiritualidade, o registrador de imóveis de Mogi das Cruzes desafia os mitos do extrajudicial e desenha o futuro com precisão cirúrgica tudo isso ancorado em valores milenares e visão de longo prazo.
1. Você transita com maestria entre filosofia, tecnologia e direito, criando conexões que ampliam a forma como enxergamos o setor extrajudicial. Se tivesse que definir quem é Plínio Schenk Júnior em poucas palavras, qual seria a essência da sua trajetória e do seu pensamento?
R. Obrigado pela generosa introdução. E, para responder não vou ser capaz de me valer de breves palavras. Desde a juventude amo saber o porquê das coisas. Sempre fui muito curioso e ávido por encontrar a razão de tudo aquilo que estivesse operando como causa do que me viesse ao pensamento: os por quês precisavam ser respondidos. Também me fascinava a computação, e por um curto período de tempo, fui um desenvolvedor. Aos 15 anos de idade obtive meu primeiro emprego formal, que foi em um cartório de notas. Foi a partir de então, empolgado pela pertinácia de um espírito aprendiz, pelo senso de necessidade de romper com os meus acanhados limites, pela pressão da responsabilidade, e pelo dever de respeito às normas éticas de consideração ao próximo e cuidado da coisa alheia, que fui sofrendo a transformação para o que hoje me tornei.

2. Você é titular do 2º Registro de Imóveis de Mogi das Cruzes SP há mais de 15 anos. Seu cartório é reconhecido por sua organização, eficiência e estética, refletindo um olhar cuidadoso não apenas para a funcionalidade, mas também para a experiência do usuário. Como você enxerga a serventia extrajudicial como um organismo vivo e em constante evolução?
R. A ideia que procuro manter viva entre nossos colaboradores é essa: coloque-se no lugar do cliente; faça de conta que o cliente é você e que está velando por um dos bens materiais mais importantes de sua vida. Todos devem estar cientes de que são parte de um corpo, e uma parte doente faz padecer todo o corpo. Portanto, velamos para que esteja na consciência de todos que o serviço bem-feito por uma parte vai favorecer o sucesso da outra, que por sua vez irá beneficiar o processo como um todo, produzindo resultados positivos e duradouros para aqueles que confiam em nosso trabalho e assim esperam de nós. Clareza de linguagem, prudência e proximidade com nossos clientes são fundamentais. Nossa missão institucional é de velar pela paz social no ambiente jurídico em que atuamos; e, à medida em que esse ambiente muda, devemos nos adaptar, de maneira a entregar algo que assegure a ordem e estabilidade dos registros, o que é de certa maneira o cumprimento do significado essencial de justiça.
3. A era digital está mudando a forma como lidamos com propriedade e registros. Você acredita que o conceito tradicional de "propriedade" passará por uma revolução nos próximos anos? Os cartórios estão preparados para registrar bens imateriais, como ativos digitais e contratos inteligentes?
R. A era digital tem mudado a maneira como lidamos com a informação. Mas a essência das coisas não muda. Também o conceito de algo não muda: um dado nome pode ser polissêmico, mas quando queremos apontar para um significado especial apelamos para seu conceito. A propriedade, no sentido aqui abordado, seja material ou o que chamamos de imaterial, continuará a ser o que é. O que muda com o tempo, e assim sabemos pelo testemunho da história, são os métodos (= os caminhos). A tutela da propriedade sempre esteve associada a uma atividade de um Poder e de pessoas, mas sua tradição (tradens) e a maneira de conservar a memória desses fatos são peculiares entre povos e épocas. A função do notário, antigo escriba, é milenar (vide o livro do profeta Jeremias 32:6-15), e não é sem razão que vigora até os dias atuais. Penso que o advento da digitalização como é próprio das revoluções industriais (e esta dizem ser a 4ª) tem como atividade nuclear produzir ferramentas otimizadoras do processo produtivo. Os cartórios, que tem sua substância na pessoalidade de um agente fiel, irão se valer dessas mesmas ferramentas para o exercício de suas funções, sejam estes atos digitais simples ou contratos digitais complexionados (ditos inteligentes). Temos visto uma evolução dos serviços cartoriais nesse sentido. Mas, se os cartórios se tornarem ineficientes e soçobrarem às influências da tecnologia, outro cartório irá surgir, sob um mesmo conceito, mas com outro formato, com um nome moderno e corporativamente centralizado.

4. Os cartórios são a espinha dorsal da segurança jurídica no Brasil, garantindo autenticidade e confiabilidade aos negócios jurídicos. Na sua opinião, qual é o maior desafio do registrador de imóveis no século XXI? Continuamos sendo os guardiões da verdade, ou essa responsabilidade está sendo fragmentada por novas tecnologias e regulamentações?
R. Eis o principal escopo da atividade cartorial: garantir que as transações imobiliárias fluam, e da melhor maneira possível sejam ordenadas, inteligíveis, transparentes e harmônicas, para que permaneçam duradouras e estáveis em seus efeitos. Penso que sustentar esses valores na atividade dos cartórios tem sido o grande desafio, principalmente neste tempo, em que a cosmovisão vigente é influenciada pela ilusão de que a verdade das coisas é fluida. Mas dificilmente alguém, no domínio de sua inteligência, julgaria ser seguro um sistema impessoal eventualmente desordenado, ininteligível, secreto e de resultados imprevisíveis ou instáveis. Portanto, qualquer sistema essencialmente cartorial só poderá subsistir se se firmar na verdade das virtudes e concretização do bem, e que, no caso dos cartórios, importa no bem fazer o que lhes é próprio; isso tanto produz quanto conserva um espírito de confiança social, de acreditação nas instituições e de permanência da atividade. A desjudicialização de certos procedimentos e as regulamentações dos serviços acrescidos ao extrajudicial têm nos demonstrado esse aumento de confiança e a outorga de maiores responsabilidades aos cuidados dos cartórios.
5. Você valoriza a autonomia na tomada de decisões. Como registrador, isso significa equilibrar rigor técnico e visão estratégica. Qual foi a decisão mais difícil que já precisou tomar na sua carreira e como a autonomia influenciou esse momento?
R. A autonomia deve ser sempre entendida com os preceitos de liberdade e de responsabilidade. Então, quanto maior a liberdade, maior será a responsabilidade. Decisões fundadas em verdadeiro exercício da liberdade somente estão legitimadas quando atender aos exigentes rigores da responsabilidade. Se você não puder assumir as consequências de um certo ato nem defender sua justiça, a autonomia terá matiz de despotismo e estultícia. A tomada de decisão sempre se torna mais complexa quando as circunstâncias do caso envolvem tensões que sejam colidentes, mas que precisam ser dialogicamente harmonizados. Essa autonomia deve ser estimulada, mas convém que seja também participada pelo conselho de pessoas experientes e sábias, a fim de impedir o cometimento de excessos. Não me recordo de haver uma decisão demasiada difícil em minha carreira; muitas foram difíceis, e creio que isso mais aconteceu no começo de minha jornada como oficial de registro, devido à inexperiência de lidar com a responsabilidade exigida pelo cargo. Mas sempre tive muita ajuda de pessoas muito próximas, que puderam me instruir e dar apoio nos momentos de incertezas.
6. Seu envolvimento com o setor extrajudicial começou cedo, aos 15 anos, como auxiliar no 2º Tabelionato de Notas e de Protestos de Limeira SP. Se pudesse voltar no tempo e dar um conselho ao jovem que iniciava sua jornada no cartório, o que diria? O que aquele garoto ficaria surpreso ao saber sobre o profissional que você se tornou?
R. Sim. Era necessário que eu ajudasse com as despesas de casa, então, a pedido de meu pai, o Dr. Sergio Candiotto, por quem tenho profundo respeito e gratidão, concedeu-me generosamente essa oportunidade. Sou muito fã do filme De volta para o futuro, e na segunda edição vemos que Marty Mcfly (o herói) quer se apropriar de um almanaque de resultados de jogos de apostas para entregar a si mesmo no passado, mas quem consegue fazer isso é Biff Tannen (o vilão). Ou seja, na ficção, o herói e o vilão estão moralmente corrompidos. Mas, como que santificando o pensamento, tenho por certo que os conselhos excelentes ao jovem que inicia sua jornada já estão dados nas Sagradas Escrituras, em especial no livro de Provérbios, que é um livro que ensina ao jovem amar a Sabedoria e temer a Deus. Mas acho que diria a tal jovem: ama a sabedoria mais do que os tesouros desta terra; se o desejo do teu coração lhe parece justo, persiga-o com tenacidade, mas confia antes no Senhor para que Ele corrija seu caminho ao longo da sua jornada; nunca se dê por vencido quando o seu propósito é fazer o bem. Aquele garoto não tinha noção do que se tornaria, porque era muito simples; certamente ficaria muito feliz em muitos aspectos e triste por outros.

7. Você tem interesse por Satoshi Nakamoto, a misteriosa identidade por trás do Bitcoin. O que mais te intriga nessa figura e, na sua visão, como as tecnologias descentralizadas podem dialogar com a segurança jurídica oferecida pelos cartórios?
R. A intrigante história dessa figura deve-se ao fato da crise do mercado imobiliário norte-americano e o colapso financeiro que isso gerou. O propósito, então, era de substituir uma moeda estatal desacreditada e sob o controle centralizado (de um Banco Central) por uma moeda descentralizada e não-inflacionária. O assunto não é tão novo assim, mas a evolução da técnica permitiu essa fascinante realização. Acredito que os fundamentos teóricos já vêm desde as obras de Friedrich Hayek, em sua defesa da existência do dinheiro privado e da liberdade de escolha, contra a imposição do curso forçado da moeda estatal. Contudo, o valor (áksios) do Bitcoin está na sua tecnologia, a Blockchain. Essencialmente, existe uma intimidade estrutural entre a Blockchain do Bitcoin e o Registro de Imóveis. A Blockchain está basicamente organizada como um sistema de registro público (= auditável) de transações, assim como o Registro de Imóveis; possui cadeias de blocos, que no RI são as matrículas e inscrições, e são validadas por prova de trabalho, que no RI chama-se qualificação registral. Convém que essa sinergia seja aplicada à medida em que haja avanços na adoção e uso das Blockchains.
8. Muitos veem os cartórios como instituições tradicionais e resistentes à mudança. Qual é o maior mito sobre o setor extrajudicial que você gostaria de desmistificar?
R. Há muitos pensamentos desconexos sobre a história e realidade dos cartórios. Já ouvi lendas absurdas declaradas por profissionais do direito ocupantes de cargos públicos importantes. Mas, considerando que a natureza do mito é a narrativa que carrega em si poderosos símbolos (= significantes), creio que o mais destacado falso mito sobre os cartórios resida na ideia de que o governo impõe a todos que a validade dos documentos de que necessitam dependa de alguma chancela cartorial, e que isso é assim para benefício de apenas alguns. Dessa ideia derivam muitas outras. Então quando surge algo novo e promissoramente disruptivo, seus idealizadores passam a proclamar que doravante será o fim dos cartórios; mas quando algo é flexibilizado, com menor burocracia, deixando o universo da administração pública direta ou do judiciário para se alocar no extrajudicial, alguns passam a dizer que assim se deu em razão do lobby dos cartórios. Desmistificar é fácil, quando tratado pessoalmente, mas de forma ampla, genérica e poucas linhas é extremamente difícil, pois a estrutura de narrativa é sempre peculiar em cada pessoa, e deve-se primeiro sobrepujar preconceitos e acessar o coração do ouvinte.
9. Se pudesse implementar qualquer inovação tecnológica, qual seria a sua primeira grande aposta para revolucionar o registro de imóveis?
R. O Registro de Imóveis brasileiro já está avançando em muitas frentes tecnológicas. Para mim, o campo da IA é a base de interesse atual, tanto para melhorias como para inovação. Acredito que o uso da IA poderá auxiliar em muito a experiência do público com o Registro de Imóveis, facilitando o fluxo de ingresso e saída de documentos e tornando mais claros os cálculos das despesas com serviços. E, sonhando um pouco mais, um passo revolucionário talvez seria a otimização da publicidade dos registros com uma certidão inteligente, que exiba de maneira muito simples (i) a figura geométrica do imóvel, (ii) sua localização geodésica, (iii) o estado da coisa (i.e., se é apenas um terreno ou se possui acessões), (iv) a identidade dos atuais proprietários em tempo real, (v) os ônus incidentes sobre o imóvel em tempo real, (vi) o grau de risco contra o direito dominial decorrente de influências indiretas (v.g., constrições judiciais potenciais); e, (vii) um push para enviar notificações ao proprietário sempre que houver alguma prenotação, inscrição ou pedido de certidão relativa ao imóvel; assim, deixaríamos de emitir, como regra, as certidões de matrículas em inteiro teor (muitas vezes extensas e complexas), mas certidões vivas e sinóticas.
10. Se tivesse que definir o cartório ideal do futuro em uma única frase, qual seria?
R. Talvez, para começar uma definição que possa ser comunicada a todos e que depois poderá ser melhorada, o cartório ideal do futuro seja o serviço próximo e a todos acessível, digital, mas também com sede física e pessoas com quem o usuário possa contar, de fácil utilização e com garantia de acompanhamento atual da situação jurídica da propriedade imobiliária.
Bate-bola:
Nome Completo: Plinio Schenk Junior
Profissão: Oficial de Registro de Imóveis
Time do Coração: São Paulo
Hobby Preferido: Conversar com meus amigos e leitura de grandes obras

Uma Música que Inspira: Não há uma, mas estilos: Barroco e heavy metal
Um Livro Inesquecível: A Bíblia
Uma Citação Que Te Marca: Deuteronômio 6:4-7
Uma Personalidade Que Você Admira: Jesus Cristo
Uma Saudade: Dos meus pais e amigos que partiram, os quais anseio breve reencontrar

"Histrias do Ofcio" uma iniciativa em parceria entre o INR e a jornalista Samila Ariana Machado. A coluna traz entrevistas exclusivas com personalidades do setor notarial e registral do Brasil e do exterior, revelando no apenas suas trajetrias profissionais, mas tambm seu impacto social e sua essnciahumana. O projeto conta com o apoio de importantes nomes e instituies do segmento: ICNR — Instituto de Compliance Notarial e Registral, Blog do DG, GADEC Cartrios — Grupo de Alto Desempenho em Estudos de Cartrio, Pedro Rocha (Tabelio e Registrador Civil), Rogrio Silva (empresrio especializado em livros raros, clssicos e antigos), Jornal Dirio, Douglas Gavazzi — Advocacia e Consultoria Notarial e Registral, e Estudos Notariais.
Com um olhar sensvel e aprofundado, Histrias do Ofcio valoriza os profissionais que constroem, com tica e dedicao, o presente e o futuro do servio extrajudicial.








