Maria Gabriela Souto Caetano.

07/10/2025

A advogada que inspirou o Projeto de Lei 1.658/24, de autoria do deputado federal Paulo Bilynskyj, que propõe alterações na Lei de Transplantes de Órgãos. A doação de órgãos ganhou destaque nacional com o transplante de coração do apresentador Fausto Silva e está presente nos cartórios por meio da Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO), regulamentada pelo Provimento nº 164/2024.

Esta entrevista é dedicada exclusivamente ao tema da doação de órgãos. Entenda em profundidade cada aspecto abordado.

 

1. Maria Gabriela, sua trajetória no Direito é marcada por uma forte atuação no extrajudicial, sendo advogada, especialista em Direito Notarial e Registral, professora na área e Mestre pelo Instituto CEDES. Como esse universo entrou em sua vida e o que despertou seu interesse por ele? Há alguém no setor que te inspira ou influenciou seu caminho?

R.         Minha trajetória no Direito, especialmente no âmbito extrajudicial, foi bastante marcada pelo meu interesse e dedicação a essa área. Meu primeiro contato com o Direito Extrajudicial aconteceu durante um estágio na faculdade, quando trabalhava sob a supervisão de um juiz que atuava como corregedor em diversos cartórios da cidade de Taquaritinga/SP. Essa experiência despertou minha paixão pelo setor e me mostrou o quanto ele é fundamental para garantir a segurança jurídica e o funcionamento eficiente para garantia de direitos e justiça. Vejo o extrajudicial como uma instituição extremamente importante para o crescimento econômico do País, pois contribui de maneira significativa para a estabilidade e o desenvolvimento da sociedade. Além disso, meu esposo, Adriano César da Silva Álvares, titular de cartório, foi quem mais me inspirou e me ensinou nesse universo, tornando-se a principal influência em minha trajetória profissional.

 

 

Maria Gabriela Souto Caetano

 

2. No ano passado, entrou em vigor o Provimento nº 164, de 27 de março de 2024, que regulamenta a Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos, Tecidos e Partes do Corpo Humano (AEDO). Além dessa norma, está em pauta o Projeto de Lei 1658/24 também aborda o tema. Qual é sua relação com essa proposta legislativa e como enxerga a evolução desse assunto no cenário jurídico?

R.         Minha relação com o Projeto de Lei 1658/24 é direta e profundamente enraizada na minha trajetória pessoal e profissional. O PL 1658/24, que visa alterar a Lei dos Transplantes (Lei nº 9.434/97) e criar uma Única Plataforma de Multi Abastecimento, tendo como uma das fontes a Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) como um meio de manifestação da vontade do doador, é o que antes era o "Projeto de Lei Maria Gabriela". Minha pesquisa, dedicação e vivência pessoal com a burocracia do sistema de transplantes foram a base para a concepção e formulação dessa proposta legislativa, que espelha minha dissertação de Mestrado. É a materialização do meu compromisso em aprimorar e humanizar o processo de doação de órgãos no Brasil. Enxergo a evolução desse assunto no cenário jurídico como um passo fundamental e muito aguardado. A entrada em vigor do Provimento nº 164, de 27 de março de 2024, que regulamenta a AEDO, é um avanço significativo e demonstra uma crescente consciência da necessidade de modernizar e desburocratizar a manifestação de vontade para doação. Este provimento, oriundo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), já permite que as pessoas registrem sua vontade de serem doadoras em cartórios, o que é um grande facilitador, porém como não houve mudança na Lei de Transplantes, prevalece a decisão familiar.

No entanto, o Projeto de Lei 1658/24 vai além. Enquanto o Provimento do CNJ é uma norma infralegal, o PL 1658/24 busca criar esta única plataforma, inserir a AEDO, como uma das fontes de abastecimento, modificando diretamente na Lei dos Transplantes, para que passe valer a autonomia da vontade, antes da decisão familiar. Isso confere maior segurança jurídica e estabilidade à ferramenta, elevando-a ao patamar de lei federal e garantindo sua aplicabilidade em todo o território nacional de forma mais robusta e inquestionável. Além disso, o PL, por ser uma lei em sentido estrito, tem o potencial de abordar aspectos mais amplos e sistêmicos. Acredito que a combinação do Provimento 164/2024 com a potencial aprovação do PL 1658/24 representa uma evolução jurídica crucial. Estamos caminhando para um sistema que prioriza a autonomia da vontade do indivíduo, simplifica os procedimentos e, consequentemente, tem o potencial de aumentar significativamente o número de doações de órgãos, salvando mais vidas e diminuindo a angústia de milhares de famílias que aguardam por um transplante. É uma demonstração de que o Direito, quando alinhado às necessidades sociais e humanas, pode ser um agente transformador poderoso.

 

 

Maria Gabriela Souto Caetano

Ao centro, o deputado federal Paulo Bilynskyj, autor do Projeto de Lei 1.658/24, à esquerda sua esposa, a médica Carla Bilynskyj, e à direita, Maria Gabriela.

 

3. O Projeto de Lei 1.658/24 não apenas é pioneiro no mundo, mas também carrega seu nome "Projeto Maria Gabriela" , eternizando sua contribuição para essa causa. Você sente que essa é a realização de um propósito maior? O que esse reconhecimento representa para você, tanto profissionalmente quanto pessoalmente?

R.         Com certeza, sinto que a aprovação e o reconhecimento do Projeto de Lei 1.658/24, agora conhecido como "Projeto Maria Gabriela", é a realização de um propósito maior, algo que transcende em muito minha trajetória profissional e pessoal. Essa é, sem dúvida, a materialização da promessa que fiz em um momento de desespero e fé, quando a vida do meu pai estava por um fio. Ver um projeto que nasceu de uma dor tão íntima e se transformou em uma legislação com potencial para salvar inúmeras vidas é a maior recompensa que eu poderia almejar.

Profissionalmente, esse reconhecimento representa a validação de anos de pesquisa, dedicação e, acima de tudo, a prova de que o Direito pode ser uma ferramenta poderosa para a transformação social. É a concretização de um ideal de justiça e humanidade que sempre me moveu. Além disso, ter o meu nome associado a uma lei que é pioneira no mundo é uma honra imensa e um marco que me impulsiona a continuar buscando soluções inovadoras para desafios complexos. Isso reforça minha convicção de que o direito tem um papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa e solidária.

Pessoalmente, o impacto é ainda mais profundo. Ter o "Projeto Maria Gabriela" eternizando minha contribuição significa que a experiência traumática que vivi com meu pai não foi em vão. Ela se tornou um catalisador para algo grandioso, um legado que pode poupar outras famílias do desespero que eu senti. É um reconhecimento que me enche de orgulho e humildade, e me lembra constantemente do poder da fé, da perseverança e do amor incondicional. Sinto que cumpri minha promessa e, ao fazer isso, encontrei um novo sentido para minha vida, transformando a dor em esperança para muitos.

 

 

Maria Gabriela Souto Caetano Maria Gabriela Souto Caetano

 

4. Em 2023, o apresentador Fausto Silva (Faustão) recebeu um novo coração em apenas 19 dias, despertando curiosidade sobre o funcionamento da fila de transplantes no Brasil. Como esse tempo de espera é calculado? Existem fatores que podem acelerar ou dificultar o processo, como a localização do paciente ou a infraestrutura hospitalar de determinados estados? E, na sua visão, qual seria a dica de ouro para tornar esse sistema mais ágil e acessível para todos?

R.         A agilidade com que Fausto Silva (Faustão) recebeu um novo coração realmente levantou muitas questões e, de fato, é um exemplo que nos permite discutir o funcionamento da fila de transplantes no Brasil. É importante esclarecer que o sistema brasileiro, gerido pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT) via SUS, é um dos maiores e mais eficientes do mundo em volume de procedimentos, e se baseia em critérios técnicos e éticos rigorosos.

O tempo de espera na fila de transplantes não é simplesmente uma ordem cronológica de chegada. Ele é calculado com base em uma série de critérios médicos e de urgência que visam garantir que o órgão seja alocado para o paciente com maior necessidade e compatibilidade, maximizando as chances de sucesso do transplante e a sobrevida do receptor. Os principais fatores incluem:

⦁ Gravidade da Doença: Pacientes em estado mais grave, com risco iminente de morte, recebem prioridade. Para órgãos como o fígado, por exemplo, existe um índice matemático chamado MELD (Model for End-stage Liver Disease), que mede o risco de morte do paciente. Quanto maior o MELD, mais à frente na lista o paciente é posicionado. No caso de Faustão, ele estava com insuficiência cardíaca grave, necessitando de internação e suporte, o que o colocou em alta prioridade.

⦁ Compatibilidade entre Doador e Receptor: Este é um fator crucial. Inclui a compatibilidade do tipo sanguíneo (ABO), características genéticas (compatibilidade HLA, especialmente para rins) e o peso e tamanho do órgão doado em relação ao receptor. Um órgão precisa ser "perfeito" para o receptor para evitar a rejeição.

⦁ Tempo de Espera na Fila: Embora não seja o único critério, o tempo de permanência na lista também é considerado, especialmente em casos de empate em outros critérios.

⦁ Localização Geográfica: A logística de transporte e o tempo de isquemia do órgão (o tempo que ele pode ficar fora do corpo sem irrigação) são determinantes. Órgãos como o coração e o pulmão têm um tempo de isquemia muito curto (algumas horas), o que exige que o transplante ocorra o mais rápido possível e, preferencialmente, dentro da mesma região ou estado. Por isso, a distribuição é regionalizada.

⦁ Fatores que Aceleram:

⦁ Prioridade por Gravidade: Como no caso de Faustão, pacientes em estado clínico de urgência, com alto risco de morte, recebem prioridade na fila.

⦁ Compatibilidade Ideal: Achar um doador com alta compatibilidade aumenta significativamente as chances de um "match" rápido.

⦁ Crianças e Adolescentes: Em muitos casos, crianças e adolescentes até 18 anos recebem prioridade, especialmente se o doador estiver na mesma faixa etária.

⦁ Disponibilidade do Doador: A existência de um doador compatível no momento certo e na localidade adequada é o principal fator.

⦁ Fatores que Dificultam:

⦁ Negativa Familiar: Infelizmente, a recusa familiar ainda é um dos maiores entraves no Brasil. Mesmo que o potencial doador tenha expressado o desejo de doar em vida, a legislação atual exige a autorização da família após a morte encefálica. Isso é um desafio enorme.

⦁ Falta de Conhecimento sobre Morte Encefálica: O desconhecimento e a desconfiança sobre o diagnóstico de morte encefálica por parte de algumas famílias ou profissionais de saúde podem atrasar ou inviabilizar a doação.

⦁ Infraestrutura Hospitalar: A qualidade e a capacidade dos hospitais para diagnosticar a morte encefálica, manter o doador, realizar a captação e o transplante são cruciais. Regiões com menos hospitais habilitados ou com equipes menos experientes podem ter dificuldades.

⦁ Logística de Transporte: Desafios geográficos e de transporte, especialmente em um país continental como o Brasil, podem dificultar a entrega rápida de órgãos com tempo de isquemia curto.

⦁ Ausência de Manifestação Prévia de Vontade: A falta de um registro claro da vontade do doador em vida contribui para a insegurança jurídica e a dificuldade para a família tomar a decisão no momento do luto.

Na minha visão, a dica de ouro para tornar o sistema de transplantes no Brasil mais ágil e acessível para todos reside na educação e na simplificação da manifestação de vontade, empoderando o indivíduo e sua decisão em vida.

⦁ Conscientização Massiva: Campanha de informação contínua e abrangente sobre a importância da doação de órgãos, desmistificando a morte encefálica e combatendo preconceitos. O debate precisa ser constante e acessível a todas as camadas da população.

⦁ Facilitar a Manifestação da Vontade: O Provimento nº 164/2024, que regulamenta a Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) em cartórios, e o meu próprio Projeto de Lei 1.658/24 (Projeto Maria Gabriela), que busca inserir a AEDO na Lei dos Transplantes, são passos essenciais. A "dica de ouro" seria garantir que ferramentas como a AEDO sejam amplamente divulgadas, acessíveis e se tornem a forma padrão de manifestar o desejo de ser doador em vida. Isso reduz drasticamente a carga sobre a família em um momento de dor e agiliza todo o processo.

⦁ Investimento em Estrutura e Capacitação: Continuar investindo na infraestrutura dos hospitais, na formação e capacitação das equipes de saúde (especialmente as Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos - CIHDOTTs) para identificar potenciais doadores, abordar as famílias e realizar os procedimentos de forma eficiente.

⦁ Logística Inteligente: Aprimorar os sistemas de logística e transporte de órgãos, talvez com o uso de tecnologias mais avançadas e maior integração entre os centros de transplante.

Acredito que, ao focar na autonomia da vontade do cidadão, tornando a decisão de doar clara e juridicamente vinculante em vida, nós removemos o maior obstáculo atual e pavimentamos o caminho para um futuro onde a fila de transplantes seja significativamente reduzida e muitas mais vidas sejam salvas.

 

5. A Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) toca em um tema sensível e de profunda relevância social. No Brasil, muitas vidas poderiam ser salvas com maior conscientização e adesão à doação. Na sua visão, quais mudanças poderiam ser implementadas no cenário extrajudicial, governamental e até dentro das próprias famílias para transformar esse tema em um compromisso coletivo e não apenas uma decisão individual?

R.         A Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) é, sem dúvida, um divisor de águas, mas para que a doação de órgãos se torne um verdadeiro compromisso coletivo no Brasil, precisamos de uma abordagem multifacetada que vá além do sistema jurídico. É essencial atuar em frentes extrajudiciais, governamentais e, crucialmente, no seio das famílias. O cenário extrajudicial, onde o Provimento nº 164 do CNJ já atua, tem um potencial gigantesco para catalisar essa mudança. Se os cartórios de registro civil, presentes em cada canto do país, são pontos de contato ideais, para a ampliação da AEDO, pois abarcaria maior contato populacional. A AEDO deve ser promovida de forma mais ostensiva nesses locais. Imaginemos, por exemplo, que ao solicitar um documento, como uma certidão de casamento, 2ª via da certidão de nascimento (para maiores de 18) ou mesmo ao reconhecer uma firma, a pessoa seja sutilmente informada sobre a AEDO e a possibilidade de registrá-la. Não como uma obrigação, mas como uma opção simples e acessível.

Os tabeliães e registradores, em parceria com as associações de classe, podem promover dias de conscientização, palestras e materiais informativos simples e claros sobre a importância da doação e o funcionamento da AEDO.

Empresas com grande volume de atendimento ao público, como bancos ou operadoras de telefonia, poderiam veicular mensagens sobre a AEDO em seus canais de comunicação, com a devida segurança e ética na informação.

A Esfera Governamental deve abarcar Educação, Transparência e Incentivo, seu papel é central para criar um ambiente favorável à cultura da doação.

A conscientização sobre doação de órgãos deve ser introduzida no currículo escolar desde o ensino fundamental e médio. Ensinar sobre a importância da vida, solidariedade e o funcionamento do corpo humano pode desmistificar o tema e formar cidadãos mais conscientes e engajados no futuro.

As campanhas governamentais precisam ser contínuas, criativas e baseadas em histórias reais de superação, tanto de doadores quanto de receptores. Usar a mídia de massa de forma inteligente e impactante pode mudar percepções e quebrar tabus.

O governo precisa continuar investindo na infraestrutura de captação e transplante, capacitando equipes médicas e de apoio, e garantindo que o sistema funcione de forma eficiente. Um sistema ágil e com resultados positivos inspira confiança e incentiva a doação.

O governo deve garantir total transparência sobre o funcionamento da fila de transplantes e os critérios de alocação de órgãos, combatendo a desinformação e aumentando a confiança da população no sistema.

Quando olhamos para dentro das próprias famílias; o diálogo deve ser o pilar essencial, onde a decisão final ainda reside, a mudança mais profunda é a cultural, dentro de cada lar.

As Famílias devem ser incentivadas a discutir a doação de órgãos abertamente, em vida. A "dica de ouro" é que cada indivíduo comunique sua vontade a seus familiares. Se a família já sabe o desejo do ente querido, a tomada de decisão em um momento de dor e luto se torna muito mais leve e respeitosa.

É fundamental que as famílias compreendam o diagnóstico de morte encefálica. Muitas recusas ainda ocorrem por falta de entendimento de que a morte encefálica é a morte completa e irreversível do cérebro, e não um coma. Profissionais de saúde bem treinados para abordar as famílias com empatia e clareza são cruciais.

Incentivar o compartilhamento de histórias de famílias doadoras e receptoras dentro das comunidades pode humanizar o tema e mostrar o impacto real e positivo da doação.  

Ao unir a simplificação legal e extrajudicial (como a AEDO que já está vigente) com campanhas governamentais efetivas e, sobretudo, com o empoderamento do diálogo familiar sobre a doação, podemos transformar essa decisão individual em um verdadeiro pacto social de vida e solidariedade.

 

 

Maria Gabriela Souto Caetano

 

6. Embora pareça uma questão simples, a doação de órgãos e tecidos ainda desperta muitas dúvidas. Quais são, de fato, os órgãos e tecidos que podem ser doados? Quais critérios determinam essa viabilidade, tanto em vida quanto após a morte?

R.         A doação de órgãos e tecidos é um gesto de solidariedade que salva e transforma vidas, mas, como você bem apontou, ainda gera muitas dúvidas. Vamos esclarecer quais são esses órgãos e tecidos e os critérios de viabilidade. A variedade de órgãos e tecidos que podem ser doados é maior do que muitas pessoas imaginam:

⦁    Órgãos:

⦁    Coração: Para pacientes com insuficiência cardíaca grave.

⦁    Pulmões: Para pessoas com doenças pulmonares crônicas avançadas (fibrose, enfisema, hipertensão pulmonar). Pode ser doado um ou ambos os pulmões, ou até mesmo parte de um pulmão em doação em vida.

⦁    Fígado: Para pacientes com cirrose hepática, hepatites graves ou alguns tipos de tumores. Pode ser doado em sua totalidade (após a morte) ou parte (em vida, pois o fígado tem capacidade de regeneração).

⦁    Rins: Para pessoas com insuficiência renal crônica em diálise. Por serem dois, é um órgão que pode ser doado tanto em vida quanto após a morte. ⦁    Pâncreas: Geralmente para diabéticos tipo I com doença renal associada. ⦁    Intestino: Em casos específicos de falência intestinal.

⦁    Tecidos:

⦁    Córneas: Para restaurar a visão de pessoas com doenças ou lesões na córnea. Podem ser doadas mesmo após a parada cardíaca.

⦁    Pele: Utilizada em casos de grandes queimaduras ou doenças dermatológicas graves. Retira-se uma fina camada da pele, sem causar deformidade.

⦁    Ossos: Usados em implantes dentários, cirurgias ortopédicas e para reconstrução de lesões. Podem ser retirados até seis horas após a parada cardíaca e mantidos em bancos de tecidos.

⦁    Válvulas Cardíacas: Mesmo que o coração não seja transplantável, suas válvulas podem ser aproveitadas para pacientes com problemas valvulares.

⦁    Medula Óssea: Fundamental no tratamento de leucemias, linfomas e outras doenças do sangue. A doação é feita em vida, por meio de aspiração óssea ou coleta de sangue.

⦁    Vasos Sanguíneos: Usados em cirurgias cardiovasculares.

⦁    Tendões: Para reparos em lesões musculares e ortopédicas.

Os critérios para doação variam significativamente se a doação é em vida ou após a morte. A doação em vida é permitida para órgãos e tecidos que, quando retirados, não comprometam a saúde ou as funções vitais do doador. 

Os principais critérios são:

⦁    Saúde do Doador: O doador deve estar em perfeitas condições de saúde, sem doenças crônicas descompensadas (como hipertensão grave, diabetes não controlado), doenças infecciosas ativas (HIV, hepatite B ou C, tuberculose ativa) ou histórico de câncer, que poderiam colocar sua saúde em risco ou serem transmitidas ao receptor. Uma avaliação médica detalhada é obrigatória.

⦁    Compatibilidade: Essencial para reduzir o risco de rejeição. Inclui compatibilidade sanguínea e, em alguns casos, compatibilidade de tecidos (HLA).

⦁    Consentimento Voluntário: A decisão de doar deve ser livre, voluntária e sem qualquer pressão ou compensação financeira.

⦁    Vínculo Familiar: Pela legislação brasileira, a doação em vida é permitida entre parentes de até quarto grau (pais, filhos, avós, netos, irmãos, tios e primos) ou cônjuges. Para não parentes, a doação só pode ocorrer mediante autorização judicial e, geralmente, após avaliação por um comitê de ética, confirmando o vínculo e a ausência de comercialização.

⦁    Órgãos Duplos ou Regenerativos: Principalmente um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea ou, em raras situações, parte de um pulmão.

A doação de órgãos após a morte ocorre em duas situações distintas, com critérios específicos:

⦁    Morte Encefálica (ME):

⦁    É a forma mais comum e permite a doação de múltiplos órgãos e tecidos (coração, pulmões, fígado, rins, pâncreas, intestino, córneas, pele, ossos, vasos).

⦁    Critério Principal: Diagnóstico de Morte Encefálica (ME), que é a parada total e irreversível das funções cerebrais, incluindo o tronco cerebral, responsável pelas funções vitais básicas como respiração. O coração e outros órgãos podem continuar funcionando por aparelhos, mas o paciente está legalmente morto.

⦁    Diagnóstico Rigoroso: A ME é diagnosticada por dois médicos diferentes, não participantes da equipe de transplante, por meio de exames clínicos e complementares (como eletroencefalograma ou doppler transcraniano) que comprovem a ausência de atividade cerebral.

⦁    Causa Conhecida: A causa do coma deve ser conhecida e estabelecida (ex: traumatismo craniano grave, AVC).

⦁    Exclusão de Fatores Reversíveis: O paciente não pode estar sob efeito de drogas depressoras do sistema nervoso central, hipotermia (temperatura abaixo de 35°C) ou hipotensão arterial grave, que poderiam simular a morte encefálica.

⦁    Autorização Familiar: No Brasil, mesmo que a pessoa tenha manifestado o desejo de doar em vida (e a AEDO facilita isso), a doação só ocorre com a autorização expressa da família (cônjuge ou parente de até segundo grau, na ausência destes).

É fundamental que as famílias compreendam esses critérios e a diferença entre morte encefálica e coma, pois o conhecimento é a chave para desmistificar o processo e aumentar as doações.

 

 

Maria Gabriela Souto Caetano

 

7. Quem pode e quem não pode ser doador e quais são os principais requisitos?

R.         É importante ressaltar que a decisão final sobre a viabilidade da doação sempre cabe à equipe médica, que avalia cada caso individualmente com base em critérios rigorosos. Em termos gerais, qualquer pessoa pode ser um potencial doador de órgãos ou tecidos, desde que preencha os requisitos médicos e legais específicos para cada tipo de doação (em vida ou após a morte).

⦁    Os principais requisitos para ser um potencial doador são:

⦁    Doador Vivo:

⦁    Ser juridicamente capaz: Maior de 18 anos e em pleno discernimento.

⦁    Estar em boas condições de saúde: A doação não pode comprometer a saúde ou as aptidões vitais do doador. Isso é avaliado por uma equipe médica rigorosa, que realiza uma série de exames.

⦁    Compatibilidade: Deve haver compatibilidade sanguínea e, em alguns casos, de tecidos com o receptor.

⦁    Vínculo Familiar ou Autorização Judicial: A doação em vida é permitida para parentes de até quarto grau (pais, filhos, avós, irmãos, netos, tios e primos) ou cônjuges. Para não parentes, é necessária autorização judicial.

⦁    Órgãos e Tecidos que não comprometem a vida: Geralmente um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea ou, em situações específicas, parte de um pulmão.

⦁    Doador Falecido (Morte Encefálica) Modelo adotado no Brasil:

⦁    Diagnóstico de Morte Encefálica (ME): Este é o critério fundamental. A ME é a parada total e irreversível de todas as funções do cérebro. O diagnóstico é feito por dois médicos não envolvidos no transplante, com exames clínicos e complementares.

⦁    Órgãos e Tecidos Viáveis: A maioria dos órgãos (coração, pulmões, fígado, rins, pâncreas, intestino) e tecidos (córneas, pele, ossos, válvulas cardíacas, vasos sanguíneos, tendões) podem ser doados.

⦁    Ausência de Doenças Infecciosas Ativas ou Câncer Generalizado: A equipe médica avalia a presença de doenças que possam ser transmitidas ao receptor ou comprometer o sucesso do transplante.

⦁    Autorização Familiar: No Brasil, a doação só ocorre com a autorização expressa da família (cônjuge ou parente de até segundo grau), mesmo que o falecido tenha manifestado o desejo em vida.

Existem algumas contraindicações gerais para a doação, visando proteger tanto o receptor quanto o próprio doador (no caso de doação em vida):

⦁    Doenças Infecciosas Ativas: Pessoas com infecções graves e ativas que podem ser transmitidas, como HIV, hepatites B e C (em alguns casos, dependendo do protocolo e do tipo de órgão/tecido), tuberculose ativa, sepse não controlada.

⦁    Câncer Generalizado (Metástase): A maioria dos tipos de câncer com metástase impede a doação de órgãos, pelo risco de transmissão da doença 

⦁    ao receptor. Exceções podem existir para alguns tipos de câncer primários e localizados, mas são avaliadas caso a caso.

⦁    Doenças Degenerativas Crônicas: Algumas doenças neurológicas degenerativas ou outras condições crônicas graves que afetam a qualidade e a função dos órgãos podem inviabilizar a doação.

⦁    Idade Avançada: Embora não haja um limite de idade absoluto para a doação (a viabilidade é avaliada individualmente), a idade avançada pode comprometer a função e a qualidade dos órgãos e tecidos.

⦁    Uso de Drogas Depressoras do SNC ou Hipotermia: No caso de morte encefálica, a presença dessas condições pode mascarar o diagnóstico, impedindo a doação até que sejam descartadas.

⦁    É crucial entender que a avaliação é sempre individual e feita por uma equipe médica especializada. Muitas condições que as pessoas acreditam ser impeditivas (como ter diabetes ou hipertensão controlada) podem não ser uma barreira para a doação de alguns órgãos ou tecidos. Por isso, o mais importante é expressar o desejo de ser doador e deixar que a equipe médica faça a avaliação técnica no momento oportuno.

 

8. Caso a família não autorize a doação, o que acontece com os órgãos do doador? Há alguma forma de garantir que a vontade expressa em vida seja respeitada, ou essa decisão sempre dependerá dos familiares?

R.         Se a família não autoriza a doação de órgãos e tecidos, os órgãos do potencial doador não são utilizados para transplante. Nesse cenário, os procedimentos médicos são direcionados apenas para os cuidados póstumos habituais. Isso significa que, independentemente da vontade manifestada em vida pelo indivíduo, a recusa familiar é o fator determinante que impede a doação no sistema brasileiro atual.

No Brasil, a Lei nº 9.434/97, conhecida como a Lei dos Transplantes, estabelece que a doação de órgãos e tecidos post mortem depende da autorização do cônjuge ou de parente maior de idade, obedecida a linha sucessória reta ou colateral até o segundo grau (pais, filhos, avós, netos, irmãos).

Historicamente, o sistema brasileiro funcionava com a "doação presumida", onde a ausência de manifestação contrária em documentos significava concordância. No entanto, devido a diversos fatores, inclusive sociais e culturais, essa presunção foi alterada para o modelo atual, que exige o consentimento familiar.

Essa exigência, embora vise proteger a família em um momento de luto e respeitar a autonomia familiar, é hoje o principal entrave para o aumento das doações no país. Muitas vezes, a família, em choque e dor, não consegue tomar uma decisão informada, ou não tem conhecimento sobre a vontade prévia do falecido.

Atualmente, com a legislação vigente, a decisão ainda depende da família. No entanto, avanços significativos estão sendo feitos para fortalecer a autonomia da vontade do indivíduo e diminuir a dependência exclusiva da decisão familiar: ⦁    Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO - Provimento nº 164/2024 do CNJ): Este é um passo crucial. A AEDO permite que a pessoa registre sua vontade de ser doadora em vida, de forma eletrônica, em cartórios. Embora o Provimento do CNJ não altere a Lei dos Transplantes (que ainda exige a autorização familiar), ele confere um peso jurídico e uma 

⦁    clareza muito maior à vontade expressa em vida. Ao ser informada da existência da AEDO, a família tem um documento formal que atesta o desejo do falecido, tornando muito mais difícil (e menos provável) a recusa. A ideia é que a existência da AEDO funcione como um forte indutor da autorização familiar, pois a família agirá em conformidade com o desejo explícito de seu ente querido.

⦁    Projeto de Lei 1.658/24 ("Projeto Maria Gabriela"): Este projeto de lei busca criar uma única Central(plataforma) que armazena os dados com multe abastecimento, ao passo que irá inserir na Lei dos transplantes a autonomia da vontade sobre a doação de órgãos, caso não haja manifestação do doador dentro CENDO- Central Eletrônica Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos. Se aprovado, ele criará esta única Central, trazendo a Autorização Eletrônica como uma das fontes que abastece esta Central, fortalecendo ainda mais sua validade e, idealmente, minimizando a margem para a recusa familiar, visto que as famílias serão consultadas se apenas não houver manifestação. O objetivo é que a vontade expressa em vida, por meio da CENDO, tenha valor legal prevalecente, reduzindo a necessidade de uma nova autorização familiar exclusiva no momento da morte.

⦁    Diálogo Familiar: Esta é a "dica de ouro" e a ação mais eficaz no momento. A melhor forma de garantir que a vontade de doar seja respeitada é dialogar abertamente com a família em vida. Comunicar claramente o desejo de ser um doador, explicar os motivos e desmistificar o processo pode fazer toda a diferença. Quando a família já conhece e entende a vontade do indivíduo, a chance de que ela honre essa decisão no momento do luto é exponencialmente maior.

Em suma, embora a autorização familiar ainda seja legalmente exigida, o avanço da AEDO e de propostas como o PL 1.658/24 são esforços contínuos para empoderar a vontade individual expressa em vida e tornar a doação de órgãos um processo mais alinhado ao desejo do cidadão. O ideal é caminhar para um sistema onde a decisão do indivíduo seja soberana, sem a necessidade de um segundo "consentimento" em um momento tão delicado.

 

9. Por que as campanhas de doação de órgãos sempre enfatizam a importância de avisar a família? Qual o real impacto dessa comunicação e como ela pode fazer a diferença entre salvar ou não uma vida?

R.         As campanhas de doação de órgãos sempre enfatizam a importância de avisar a família porque, no Brasil, a autorização familiar é legalmente indispensável para a doação de órgãos e tecidos após a morte. Mesmo que o indivíduo tenha manifestado seu desejo de ser doador em vida — seja por meio da Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) ou de outra forma —, a legislação brasileira exige que o cônjuge ou um parente de até segundo grau (pais, filhos, irmãos) dê o consentimento formal para a doação.

O impacto dessa comunicação prévia e clara é gigantesco e pode, de fato, fazer a diferença entre salvar ou não uma vida.

 A morte de um ente querido é um dos momentos mais dolorosos e difíceis da vida. Nesse período de choque e luto, a família é confrontada com uma decisão complexa e irreversível: autorizar ou não a doação dos órgãos. Se a vontade do falecido já era conhecida e discutida abertamente em vida, a família não precisa lidar com a incerteza e a culpa de uma decisão tão grandiosa. Ela apenas cumpre um desejo, o que traz um certo conforto em meio à dor.

A falta de conhecimento sobre a vontade do falecido é um dos principais motivos de recusa familiar no Brasil. Muitos familiares, sem saber o que o seu ente querido desejaria, optam por não doar, temendo estar tomando uma decisão errada ou desrespeitosa. A comunicação prévia remove essa barreira, transformando uma dúvida em uma certeza.

O tempo é um fator crítico na doação de órgãos, especialmente para órgãos como o coração e o pulmão, que têm um tempo de isquemia (período em que podem ficar sem irrigação sanguínea) muito curto. Se a família já está ciente da vontade do doador, a tomada de decisão é mais rápida, o que agiliza todo o processo de captação e transplante, aumentando as chances de sucesso para o receptor.

A comunicação familiar garante que a vontade do doador, que pode ter um desejo altruísta de ajudar outras pessoas, seja de fato respeitada. É a forma mais eficaz de o indivíduo ter sua decisão final honrada em um sistema que ainda depende da validação de terceiros.

Ao discutir o tema em família, a doação de órgãos deixa de ser um tabu e se torna parte das conversas sobre vida e legado. Isso contribui para a construção de uma cultura de doação mais forte e consciente em toda a sociedade.

Imagine duas situações:  Cenário 1 (Sem Comunicação): Uma família é informada sobre a morte encefálica de seu ente querido e, em meio ao desespero, é questionada sobre a doação de órgãos. Sem nunca terem conversado sobre o assunto, eles se veem diante de uma decisão que não sabem se reflete a vontade do falecido. A incerteza, o medo e a pressão do momento podem levar à recusa, e órgãos vitais são perdidos.

Cenário 2 (Com Comunicação): A mesma família, na mesma situação de dor, é abordada sobre a doação. No entanto, eles se lembram de uma conversa em que o ente querido expressou claramente seu desejo de ser doador, ou de um registro de AEDO que ele havia feito e comentado. A decisão, embora ainda dolorosa, é mais leve, pois eles sabem que estão honrando uma vontade. A doação é autorizada, e vidas são salvas.

É por isso que a comunicação familiar é a "ponte" essencial entre o desejo de um potencial doador e a realidade de um transplante que pode salvar a vida de outra pessoa. É o elo que transforma uma intenção em um ato concreto de solidariedade.

Com a materialização no Projeto de Lei 1.658/24 (Projeto Maria Gabriela), a CENDO -CENTRAL ELETRONICA NACIONAL DE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS, representa de forma expressa e valida a autonomia da vontade, assim a vontade do doador será realizada, e informada a família.

 

10. A doação presumida, adotada em alguns países, parte do princípio de que todos são doadores, salvo manifestação contrária em vida. Como esse modelo funciona na prática e seria uma alternativa viável para o Brasil, considerando nosso cenário jurídico e cultural?

R.         A doação presumida, ou "opt-out", é um modelo no qual se assume que todos os indivíduos são doadores de órgãos e tecidos após a morte, a menos que tenham expressamente manifestado o desejo de não doar em vida. Essa manifestação contrária, conhecida como "opt-out", geralmente é registrada em um cadastro nacional, em documentos de identidade, ou por outros meios formais.

Em países que adotam a doação presumida (como Espanha, Portugal, Áustria, França e, mais recentemente, o Reino Unido), o funcionamento prático geralmente envolve:

Padrão "Default" de Doação: A premissa básica é que, se uma pessoa não se manifestou formalmente contra a doação, presume-se seu consentimento.

Mecanismo de "Opt-Out": É oferecido um sistema claro e acessível para que as pessoas que não desejam ser doadoras registrem sua objeção. Isso pode ser feito em um registro nacional, na carteira de motorista, ou em outros documentos oficiais.

⦁    O Papel da Família (Variações): Existem diferentes "forças" de doação presumida:

⦁    "Hard Opt-Out" (Consentimento Presumido Forte): A vontade expressa em vida (ou a ausência de objeção) é suficiente, e a família geralmente não tem poder legal de veto. Este modelo é mais raro e pode gerar mais conflitos éticos.

⦁    "Soft Opt-Out" (Consentimento Presumido Fraco): Embora a doação seja presumida, a família ainda é consultada e, em muitos desses países, pode vetar a doação se alegar que o falecido teria se oposto, ou se a doação causaria grande angústia. Espanha, frequentemente citada como líder em doação, opera um sistema que, na prática, ainda envolve um forte diálogo com a família, e a recusa familiar é respeitada. O sucesso da Espanha, na verdade, é atribuído mais à sua robusta infraestrutura e coordenação do sistema de transplantes do que puramente à lei de doação presumida.

Países com sistemas de doação presumida tendem a ter taxas mais altas de doação de órgãos em comparação com países que exigem consentimento explícito ("opt-in"). Isso é atribuído ao "efeito padrão" (as pessoas tendem a seguir a opção padrão) e à redução da inércia.

O Brasil já teve uma experiência com a doação presumida no passado, com a Lei nº 9.434/97 (Lei dos Transplantes) em sua redação original, que entrou em vigor em 1998. Naquele momento, a doação era presumida, salvo se houvesse manifestação contrária no documento de identidade. No entanto, essa implementação não teve sucesso e foi rapidamente revertida para o modelo atual de consentimento familiar expresso.

A mudança na lei foi feita sem uma campanha de conscientização massiva e efetiva. A população não compreendeu completamente as implicações da nova regra, gerando medo e desinformação.

Em vez de aumentar as doações, houve uma "corrida" de pessoas aos postos de emissão de documentos para registrar expressamente que não desejavam ser doadoras, por receio ou falta de entendimento.

 Havia (e em parte ainda há) uma desconfiança generalizada em relação ao sistema de saúde e à forma como o diagnóstico de morte encefálica era feito, o que dificultava a aceitação da doação presumida. A cultura brasileira, com forte apego à família e ao respeito à decisão individual, encontrou resistência a um modelo que parecia "tomar" uma decisão pelo indivíduo sem seu consentimento explícito e sem a chancela familiar.

Naquela época, a infraestrutura de captação e transplante não era tão desenvolvida quanto hoje, o que limitava a capacidade de aproveitar um potencial aumento de doações, caso ele ocorresse.

Considerando nosso cenário atual, a implementação de um modelo de doação presumida puro ("hard opt-out") enfrentaria desafios significativos:

A memória do insucesso anterior ainda existe. Nossa cultura valoriza a decisão familiar no luto, e uma imposição legal, mesmo que bem-intencionada, poderia gerar forte rejeição e desconfiança. Do ponto de vista jurídico, questionamentos sobre autonomia individual e a proteção de dados sensíveis seriam levantados.

Para uma eventual transição para a doação presumida ser bem-sucedida, seria necessário um debate público aprofundado, campanhas de educação massivas, e um fortalecimento ainda maior da confiança no sistema de transplantes.

Minha visão, materializada no Projeto de Lei 1.658/24 (Projeto Maria Gabriela) e no Provimento do CNJ que regulamenta a AEDO, é que o caminho mais viável e ético para o Brasil é fortalecer a autonomia da vontade do indivíduo em vida, tornando sua decisão clara e legalmente reconhecida (como pela AEDO), mas sem presumir a doação para todos. Isso permite que cada pessoa decida por si, e que essa decisão seja respeitada e formalizada, o que facilita o processo para as famílias no momento do luto.

Em resumo, embora a doação presumida possa levar a maiores taxas de doação em alguns contextos, sua viabilidade no Brasil esbarra em nossa experiência histórica negativa e em questões culturais e jurídicas complexas. Acredito que o caminho mais promissor para o Brasil é o empoderamento da vontade explícita do doador por meio de ferramentas como a AEDO, combinada com um forte investimento em educação e conscientização.

 

E para o Bate-bola, por favor, solicito que responda em apenas uma linha.

 

Nome Completo: Maria Gabriela Souto Caetano

Profissão: Advogada

Data de Nascimento: 06 de Outubro de 1990

Time do Coração: Corinthians

Hobby Favorito: cozinhar edegustar um bom vinho.

Uma Música que te Inspira: Eye Of The Tiger

Um Livro Inesquecível: sentimento do mundo Carlos Drummond de Andrade

Uma Citação Que Te Marca: Colossenses 3:23-24:"Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, não para os homens, sabendo que receberão do Senhor a recompensa da herança, pois é a Cristo, o Senhor, a quem vocês servem."

Uma Personalidade Que Você Admira: Doutor Dimas Ramalho

Uma Saudade: Minha Tia Alda

Redes Sociais: @mariagabrielascaetano

 

 

Maria Gabriela Souto Caetano

 


jornalista Samila Ariana Machado

"Histrias do Ofcio" uma iniciativa em parceria entre o INR e a jornalista Samila Ariana Machado. A coluna traz entrevistas exclusivas com personalidades do setor notarial e registral do Brasil e do exterior, revelando no apenas suas trajetrias profissionais, mas tambm seu impacto social e sua essnciahumana. O projeto conta com o apoio de importantes nomes e instituies do segmento: ICNR — Instituto de Compliance Notarial e Registral, Blog do DG, GADEC Cartrios — Grupo de Alto Desempenho em Estudos de Cartrio, Pedro Rocha (Tabelio e Registrador Civil), Rogrio Silva (empresrio especializado em livros raros, clssicos e antigos), Jornal Dirio, Douglas Gavazzi — Advocacia e Consultoria Notarial e Registral, e Estudos Notariais.

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