Processo notarial e registral: TEMA V (nona parte): sobre o processo registral comum.

Continuemos a apreciar questões relativas ao processo da dúvida registral. 

Décima questão: se o registrador de imóveis tem legitimidade para apelar da sentença de improcedência da dúvida.

É predominante o entendimento de que não possa o registrador público apelar da sentença proferida no processo de dúvida. Orientação essa que, além de muito prestigiada na esfera pretoriana, esposa-se por autorizada doutrina (p.ex., Walter Ceneviva, Lamana Paiva, Josué Passos e Marcelo Benacchio), recusando-se a legitimidade recursal do registrador, por não ser ele parte no processo, nem possuir interesse jurídico em impugnar a negativa do registro pretendido, registro esse que diz respeito apenas a um interesse direto do solicitante e de eventuais terceiros; somente haveria aí um interesse econômico do registrador, inclinado, ao revés, ao positivo registro do título, caso exclusivo este em que receberia os emolumentos correspondentes.

Essa foi também minha mais antiga opinião, alterada, porém, por mais recente compreensão do assunto, entendendo-se que ao registrador possa atribuir-se o status de interessado referido no art. 202 da Lei 6.015, de 1973: “Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado”.

Interessado, saliente-se, para a defesa de terceiros, ou, mais além, para a defesa da ordem pública.

Já não me parece, com efeito, que o argumento de o registrador não ser parte no processo dúvida seja dos mais persuasivos para apoiar a tese de sua ilegitimidade recursal. A clave não está na ideia de «parte», mas na de «interessado»; veja-se, por exemplo, o que consta dos arts. 720 e 721 do Código de processo civil brasileiro de 2015: “O procedimento [de jurisdição voluntária] terá início por provocação do interessado (…)”; “Serão citados todos os interessados (…)”. Ora bem, nas jurisdições voluntária e administrativa não há partes, porque não há lide em ato, mas simples potentia litis (controvérsia), virtualidade de lide prevenível por meio da jurisdição não contenciosa. 

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Ricardo Dip

Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, de cuja Seção de Direito Público foi Presidente no biênio 2016/2017. Atualmente, integra o Órgão Especial da Corte. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, em Jornalismo, pela Faculdade de Comunicação Social “Cásper Líbero”. Mestre em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito. Doutor honoris causa  pelo Centro Universitário Católico Ítalo-Brasileiro e pela FIG-Unimesp de Guarulhos.  É membro fundador do Instituto Jurídico Interdisciplinar da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal). É acadêmico de honra da Real de Jurisprudencia y Legislación de Madri (Espanha). É diretor da Seção de Estudos de Direito Natural do Consejo de Estudios Hispánicos “Felipe II”, de Madri. É membro do comitê científico do Instituto de Estudios Filosóficos “Santo Tomás de Aquino”, de Buenos Aires. É membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Notarial, editada pelo Colégio Notarial do Brasil. É membro de honra do CENoR, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. É membro da Academia Peruana de História. É titular da cadeira n. 12 da Academia Brasileira de Direito Registral Imobiliário e da cadeira n. 23 da Academia Notarial Brasileira. Preside a Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral. Também preside a União Internacional dos Juristas Católicos, com sede em Roma. Autor de vários livros e artigos publicados no Brasil e no exterior.

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