Processo notarial e registral: TEMA V (décima parte): sobre o processo registral comum.
Décima-terceira questão: será plausível que reiteradas decisões de improcedência de dúvida sejam avaliadas como indício de desvio funcional ou de falta de saber técnico ou prudencial do registrador?
Eis aí uma questão complexa, porque empolga, de um lado, a independência jurídica do registrador, e, de outro lado, a exigível boa prestação da atividade dos registros. Como se avista, há nisto um possível confronto de valores, ambos dignos de resguardo, e casos que, fatos vitais, propiciam opiniões ou aparências apenas mais ou menos prováveis.
Por isso, não parece que se deva formular uma regra abstrata e apriorística para a resposta a essa nossa questão. Soa prudente, a propósito, recrutar a frutuosa experiência realizada no direito romano clássico, bem compendiada nesta expressão de Fritz Schulz: “No princípio era o ‘caso’” (Princípios do direito romano, tradução brasileira de Josué Modesto Passos, Presidente Prudente, ed. Filomática Sorocabana, 2020, p. 28). Prossegue a lição de Schulz: “Conceitos e regras gerais estão sempre a caminho de causar desastre, porque as possíveis complicações da vida não podem ser integralmente avaliadas por ocasião da formulação da regra de direito” (p. 29). Daí a consagrada observação do jurisconsulto Paulo (Digesto 50, 17, 1): “no ex regula ius summatur, sed ex iure, quod est, regula fiat” (ou em livre tradução para o vernáculo: o direito não emana da regra, mas a regra é que se modela sobre o direito já existente).
— Continuar lendo...Ricardo Dip
Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, de cuja Seção de Direito Público foi Presidente no biênio 2016/2017. Atualmente, integra o Órgão Especial da Corte. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, em Jornalismo, pela Faculdade de Comunicação Social “Cásper Líbero”. Mestre em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito. Doutor honoris causa pelo Centro Universitário Católico Ítalo-Brasileiro e pela FIG-Unimesp de Guarulhos. É membro fundador do Instituto Jurídico Interdisciplinar da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal). É acadêmico de honra da Real de Jurisprudencia y Legislación de Madri (Espanha). É diretor da Seção de Estudos de Direito Natural do Consejo de Estudios Hispánicos “Felipe II”, de Madri. É membro do comitê científico do Instituto de Estudios Filosóficos “Santo Tomás de Aquino”, de Buenos Aires. É membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Notarial, editada pelo Colégio Notarial do Brasil. É membro de honra do CENoR, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. É membro da Academia Peruana de História. É titular da cadeira n. 12 da Academia Brasileira de Direito Registral Imobiliário e da cadeira n. 23 da Academia Notarial Brasileira. Preside a Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral. Também preside a União Internacional dos Juristas Católicos, com sede em Roma. Autor de vários livros e artigos publicados no Brasil e no exterior.